BIOQUÍMICA NA INVESTIGAÇÃO
Maria João Amorim
Laboratório de Biologia Celular da Infeção Viral
Instituto Gulbenkian de Ciência
Novos paradigmas em biologia celular e na interação das células com vírus da gripe A
Os vírus provocam graves problemas de saúde pública. Sendo parasitas intracelulares com um limitado reportório de proteínas, os vírus precisam de usar recursos e vias celulares para eficiente replicação. Os vírus podem simplesmente usar via celulares, modificá-las, ou alternativamente utilizar or recursos da célula e construírem os seus próprios organelos. Dado que muitos destes processos são específicos a vírus, não ocorrendo normalmente, a sua compreensão traz não só conhecimento sobre o vírus como pode dar origem a novas terapias antivirais. Tradicionalmente os organelos são vistos como estruturas delimitadas por membranas, facto que lhes permitem reter e ser permeáveis apenas a moléculas selecionadas. Contudo, na organização celular são conhecidas outras estruturas, tais como o nucléolo, os grânulos de stress, os centrossomas, que formam compartimentos individualizados, com uma composição única, mas que não são delimitados por membranas. Recentemente descobriu-se que estes organelos são formados por um mecanismo de separação de fases, semelhante ao que acontece quando misturamos azeite e vinagre. O meu laboratório dedicou-se a estudar como é que o vírus da gripe A, um importante patogéneo que provoca epidemias anuais e pandémicas recorrentes, se aproveita deste novo processo para beneficiar a sua replicação. Descobrimos, que o vírus da gripe A constrói organelos por separação se fases para conseguir montar o seu genoma. Isto é muito importante, porque o vírus da gripe A é segmentado, formado por oito segmentos de RNA diferentes por um mecanismo seletivo, do qual ainda se sabe muito pouco. Compreender este processo permitirá combater melhor epidemias e pandemias provocadas pela gripe A.
Isabel Cardoso
I3S-Instituto de Investigação
e Inovação em Saúde
Desvendando os mecanismos de neuroproteção da Transtirretina na Doença de Alzheimer: do conhecimento à terapia.
A Transtirretina (TTR) é uma proteína sintetizada sobretudo no fígado e no plexo coroide e secretada para o sangue e líquido cérebroespinal, respetivamente. Esta proteína é essencialmente conhecida pelas suas funções de transporte, quer da hormona da tiroide, tiroxina (T4), quer da vitamina A. Contudo, várias evidências têm vindo a mostrar que a TTR também exerce funções neuroprotetoras, nomeadamente na Doença de Alzheimer (DA). O nosso trabalho tem desvendado o(s) mecanismo(s) subjacente(s) à neuroproteção conferida pela TTR e mostrámos que a TTR participa na eliminação do péptido Abeta cerebral, agente central na DA, através da barreira hematoencefálica.
Como a TTR se encontra diminuída na DA, bem como a sua capacidade de proteger, o nosso trabalho também se tem centrado no desenvolvimento de uma estratégia terapêutica que permita recuperar a atividade da TTR. Assim, demonstrámos que é possível aumentar a interação TTR/Abeta, utilizando pequenas moléculas químicas (small molecules chaperones of the TTR/Abeta interaction, SMCs) que estabilizam a estrutura tetramérica da TTR e ensaios in vivo mostraram que a administração de uma destas moléculas a ratinhos AD resultou em melhorias cognitivas e diminuição da deposição de péptido Abeta no cérebro.
Em consórcio com outros investigadores, levámos a cabo um projeto em que identificámos, a partir de milhares de compostos selecionados por virtual screening e por vários testes biológicos, as 10 melhores SMCs. Entre elas, 4 moléculas são compostos aprovados para outras patologias e que poderão ser reposicionadas para AD, assim que o seu efeito benéfico seja demonstrado em ensaios pré-clínicos, com ratinhos AD.
Pedro Oliveira
Departamento de Química da Universidade de Aveiro
Dietary habits and endocrine control of testicular cells metabolic cooperation modulate fertility
Male fertility issues have been overlooked for many years. Although statistics from the World Health Organization (WHO) clearly show that sperm quality is decreasing worldwide to dangerous levels that can compromise natural conception, the molecular mechanisms that control spermatogenesis remain as a technically challenging topic. Spermatogenesis is a complex and highly regulated process orchestrated by testicular cells. In the 19th century, Enrico Sertoli described for the first time irregularly shaped somatic cells in the testis and suggested that they do not produce spermatozoa but support their production. Indeed, those cells form the blood-testis barrier. This way, the Sertoli cells (SCs) separate the interstitial fluid from the intratubular fluid. Later it was shown that SCs not only control the passage of substances and metabolites for the compartment where germ cells develop by mechanisms sensitive to hormones, but also establish a strict metabolic cooperation with developing germ cells. The distinct energetic needs during the different stages of spermatogenesis are controlled by SCs that produce the lactate used as main energy source by developing germ cells. This topic has been overlooked even though there is an increase on the prevalence of metabolic diseases that dysregulate systemic metabolism and may disrupt this testicular cells metabolic cooperation. Most studies aiming to correlate the incidence of metabolic diseases with sperm quality failed to show a clear causal relationship and thus there is not yet a consensus. Recently, several authors showed the impact of hormonal dysfunction and metabolite shifting caused by those diseases in the testis, particularly on the metabolic cooperation established between testicular cells. Thus, it is crucial to understand how those mechanisms are sensitive to energy homeostasis regulating hormones and dietary habits. Overall, the study of SCs is an emerging field for researchers interested in the understanding of the molecular mechanisms responsible for male (in)fertility. Ultimately, those studies may highlight new therapeutic targets for the control of male fertility.
Paula Sampaio
Departamento de Biologia da Universidade do Minho
Desenvolvimento de uma vacina contra infeções a candidiase sistémica
As infeções fúngicas sistémicas têm vindo a aumentar significativamente nas últimas décadas, nomeadamente na população de indivíduos imuno-comprometidos. O tratamento destas infeções está limitado a um conjunto reduzido de agentes anti-fúngicos que, para além de efeitos secundários adversos, vê reduzida a sua eficácia devido ao aumento de estirpes resistentes. No grupo de investigação Micro II, estamos a desenvolver uma vacina de forma a prevenir o desenvolvimento de infeções fúngicas, nomeadamente Candidíses sistémicas, com elevada gravidade e proteger os grupos mais suscetíveis da população. Neste seminário, será abordada a problemática das infeções fúngicas sistémicas, os métodos mais comuns de tratamento e os trabalhos desenvolvido pelo nosso grupo no desenvolvimento desta vacina.
PROJETOS EM BIOTECNOLOGIA
Maria João Sousa
Universidade do Minho
TODOMICS – Omics approaches towards the industrial exploitation of Torulaspora delbrueckii: Elucidation of the molecular basis underlying complex cellular traits
Björn Johansson
Universidade do Minho
FATVAL – Systematic metabolic engineering of Saccharomyces cerevisiae for high-value fatty acids and derived products
Carmen Becerra
French National Institute for Agronomic Research (INRAE) | Universidade do Minho
Studying yeast metabolism for wine industry
Carmen Becerra is a graduate in Biochemistry by the University of Córdoba, and she did a Masters of Science in Biotechnology at the University of Granada, both institutions in Spain. She is currently doing her PhD in Yeast Biotechnology focused on the improvement of yeast fermentative performance and aroma in wine. Her thesis belongs to the Innovative Training Network (ITN) YEASTDOC, granted with Marie Skłodowska-Curie funds from the European Union. Her thesis is co-hosted by the French National Institute for Agronomic Research (INRAE) in Montpellier (France) and the University of Minho.
BIOQUÍMICA NA INDÚSTRIA
Ana Loureiro
BIAL
Discovery and development of Etamicastat, a dopamine beta-hydroxylase inhibitor
A descoberta e o desenvolvimento de um fármaco é um processo complexo e longo que se inicia quando existe uma necessidade de tratamento de uma doença. Após a escolha do alvo terapêutico, inicia-se a síntese de novas entidades Químicas (NEQs) e sua seleção, com base em resultados de vários testes in vitro e in vivo, que avaliam a eficácia no alvo, a seletividade, e as propriedades DMPK (metabolismo e farmacocinética de fármacos). Uma vez selecionada, a molécula entra no processo de desenvolvimento pré-clínico onde são efetuados, entre outros, vários estudos in vitro e in vivo de farmacologia de segurança e toxicologia de modo a garantir a segurança de composto para ser administrado a humanos. A decisão de avançar para humanos depende dos dados recolhidos nos estudos não clínicos. Durante os estudos clínicos de, tolerância e eficácia, a possibilidade de falha é ainda bastante elevada. Todo o processo de desenvolvimento de um fármaco é acompanhado por decisões “go-no-go”. As decisões tomadas em cada fase são o pilar do desenvolvimento bem sucedido de um fármaco. Nesta apresentação será exemplificado o roteiro da descoberta e desenvolvimento do etamicastat, um inibidor da dopamina beta-hidroxilase em BIAL, focando a contribuição dos estudos de DMPK essenciais para o sucesso de novas terapias.
Pedro Castanheira
IMMUNETHEP
Entre a Academia e a Indústria
Licenciado em Bioquímica pela U. Coimbra em 1995, Mestre em Biologia Celular pela U. Coimbra em 1998 e Doutorado em Bioquímica, Especialidade de Enzimologia em 2004. Integrou o projeto Biocant desde o início, em 2005 como Investigador na Unidade de Biotecnologia Molecular, onde participou em múltiplos projetos científicos com uma forte componente de Bioquímica de Proteínas. Esteve envolvido no estabelecimento de uma unidade de caracterização Biofísica de Proteínas no Biocant (X-PROT). Em 2017 mudou-se para uma empresa de Biotecnologia no Reino Unido - Immunocore, para a Divisão de Doenças Infeciosas, trabalhando em recetores de células T. Regressou a Portugal e integrou em 2018 a empresa Immunethep como Responsável pela Unidade de Proteínas estando envolvido no desenvolvimento de vacinas e anticorpos contra fatores de virulência bacterianos
FLASH TALKS
Sofia Oliveira-Pinto
Universidade do Minho
Caracterização da atividade de novos derivados de cromeno para a terapia do cancro
O cancro é a doença mais prevalente e devastadora do mundo, com um aumento anual do número de novos casos. O núcleo do cromeno apresenta um grande potencial para aplicação biológica e diversos exemplos com atividade anticancerígena foram já identificados. O principal objetivo do presente trabalho foi o estudo do potencial anticancerígeno de novas estruturas baseadas na unidade de cromeno e do seu mecanismo de ação, usando dois modelos celulares de cancro: Carcinoma de Células Renais (CCR) e Cancro da Mama (CM).
Foi realizada uma caracterização in vitro da atividade anticancerígena dos novos compostos, utilizando os dois modelos de cancro. Avaliou-se a toxicidade dos compostos mais ativos, usando uma linha celular não-neoplásica e um modelo in vivo (Caenorhabditis elegans). Os efeitos anticancerígenos dos cromenos com melhor índice de seletividade foram caracterizados através do estudo da proliferação celular, migração, apoptose e ciclo celular. Após o estudo in vitro, o ensaio da membrana corioalantóica (CAM) foi utilizado para avaliar in vivo a eficácia dos dois compostos mais promissores na regressão tumoral bem como a angiogénese.
Estes compostos apresentaram valores de IC50 na ordem dos nanomolar, sendo capazes de inibir a proliferação celular, induzir apoptose, parar o ciclo celular nas fases S e G2/M e inibir o crescimento tumoral e a angiogénese, in vivo. Para além disto, os novos cromenos não apresentaram toxicidade quando testados nas células não-tumorais bem como no modelo da Caenorhabditis elegans. Devido aos resultados biológicos promissores, os compostos e o seu uso como agentes anticancerígenos foram protegidos por uma patente nacional (INPI 20191000035291) ao que seguirá em breve um pedido de patente europeia e internacional.
Sara Pereira
Universidade do Minho
A abundância de transcritos relacionados com a obesidade em espermatozoides influencia o resultado de tratamentos de reprodução medicamente assistida
O DNA do espermatozoide encontra-se numa conformação altamente condensada, de forma a garantir a sua entrega em segurança ao oócito. Esta conformação leva ao cessamento de (quase) toda a atividade translacional. No entanto, uma pool de mRNAs é transportada pelos espermatozoides, sem que nenhuma função específica lhes tenha sido atribuída. Neste trabalho, propomos estudar se a abundância de transcritos de genes relacionados com a obesidade (ORG), em espermatozoides, poderá estar relacionada com o potencial reprodutor. Para isso, a abundância destes transcritos foi avaliada por quantitative polymerase chain reaction (qPCR), e vários dados clínicos foram recolhidos de 106 casais em tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA).
Os nossos resultados demonstram que a abundância de transcritos ORG em espermatozoides está correlacionada com vários parâmetros do potencial reprodutor masculino. A abundância do transcrito melanocortin-4 receptor (MC4R), em espermatozoides, encontra-se negativamente correlacionada com a percentagem de espermatozoides viáveis no ejaculado (r=-0,3111), e positivamente correlacionada (r=0,4420) com a gravidez, através dos níveis hormonais de beta gonadotrofina coriônica humana. Já a abundância do transcrito fat mass and obesity (FTO), em espermatozoides, encontra-se positivamente correlacionada com o número total de espermatozoides no ejaculado (r=0,5030), e também com os indicadores de desenvolvimento embrionário, nomeadamente a taxa de fertilização (r=0,4854), taxa de clivagem do embrião (r= 0,5705) e taxa de embriões de alta qualidade (r=0,6982).
Concluímos assim que a abundância de transcritos ORG nos espermatozoides tem o potencial de afetar o resultado da PMA, podendo afetar tanto a qualidade espermática, com o desenvolvimento embrionário pré-implantação e gravidez. Os nossos resultados salientam a importância da monitorização da saúde paternal durante a conceção natural e PMA.
Rosana Alves
Universidade do Minho
Um percurso em Bioquímica: da licenciatura ao doutoramento
Rosana Alves é licenciada em Bioquímica pela Universidade do Porto, mestre em Bioquímica Aplicada pela Universidade do Minho e doutorada em Biologia Molecular e Celular pela mesma instituição. Atualmente é Professora Convidada no Departamento de Biologia e Investigadora no Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Universidade do Minho.
A sua palestra incidirá sobre o seu percurso de investigação em Bioquímica, desenvolvido tanto em Portugal como no estrangeiro, nomeadamente no estudo de transportadores de ácidos carboxílicos em espécies de Candida. Estas espécies, as leveduras oportunistas mais frequentes em humanos, são uma fonte comum de infeções sistémicas em pacientes hospitalizados. A procura urgente de novas terapias para tratar estas infeções tem aumentado os esforços para elucidar os circuitos genéticos que governam a evasão imune, a adaptação ao hospedeiro, mas também a resistência destes agentes patogénicos a vários antifúngicos.